Covid-19 (dia 7 - 19/3) Dia do Pai

Mais um dia a madrugar...

Como ontem já tinha dito, hoje teria de atacar um supermercado pela manhã. Afinal, o leite de aveia é fundamental cá por casa (pois não se bebe o de vaca) e estava mesmo a acabar (um pacote).

A decisão nunca é facil. Ir ou não ir? A este ou a outro? A que horas?

Segui o conselho de uma amiga e repeti a experiência dela na véspera: Às 7h30 lá estava eu à porta de um super dos mais pequenos - e que abrem mais cedo.

Sair à rua é como ir para Chernobyl. Uma roleta russa: comprar comida a que preço? Arriscando infeção? No caminho, carros e mais carros. Na rua, no centro de Lisboa, gente e mais gente. Em estação de comboio central mais movimento do que me parece aceitável.

Fico com a ideia de que há patrões a insistir na manutenção da atividade, talvez achando que isto do Covid-19 é uma histeria coletiva.

Dentro da loja, funcionários sem máscaras, sem luvas, numa aparente normalidade. Pergunto-me se não lhes passa pela cabeça o risco? Ou se passa, mas estão tão ameaçados que não podem sequer proteger-se...

Compras feitas, vim para casa, arrumei tudo. Eram 8h30 quando cheguei. Atirei-me para dentro da banheira, como se quisesse completar um processo de descontaminação. Ninguém escreve sobre isto, mas as máscaras boas (tenho dessas, embora poucas) são praticamente incompatíveis com óculos - embaciam-nos e além disso eles não encaixam bem no nariz, que está também tapado por um molde metálico da máscara. Conclusão: só se pode meter a máscara quando já não se precisa dos óculos para conduzir. Ou seja, lá se está a potenciar a contaminação da dita.

Entretanto, segui para o segundo pequeno almoço. Tinha comido apenas um iogurte de aromas às 7h10 e apetecia-me provar a baguete francesa. Cheguei da rua bastante confortável - talvez por ter resolvido um problema premente. Mas, lá está, consciente de que cada ida a uma loja é uma roleta russa: há uma bala (ou mais) bala no carregador da pistola e temos de apontá-la à cabeça e disparar. Isso ou não ter comida para os filhos...

E no entanto cheguei animado. Era dia do pai e logo tive uma surpresa que me emocionou: o mais velho fez um postal e escreveu por ele e pela irmã. "Querido pai. Eu gosto muito quando me abraças"; já ela "Querido pai, eu amo-te muito". E o presente mais simples, a que se juntou a leitura de quadras, quase me arrancou lágrimas de felicidade e comoção. O amor é isto.

Por ser dia do pai, a minha querida mulher foi visitar o dela (rapidamente, como se aconselha e com distanciamento) e levou-lhe um pedaço do arroz doce que ontem a mais nova cozinhou comigo. Decidimos fazer assim a nossa partilha pelas três casas no dia do pai.

Enquanto ela não voltou senti sempre que a tinha mandado para a guerra. É uma incerteza incrível, esta que se vive.

Depois fui eu a casa do meu, também visita de médico, e nova constatação de que passaremos a vida a jogar roleta russa. "Preciso de pão", diz-me ele. E eu não levava máscara, porque ia só lá a casa e não estaria com mais ninguém (temos de doseá-las). Lá concordámos que ele iria à churrascaria que fica mesmo em baixo de casa dele, que lá havia pão. Mas que iria de luvas e máscara. E saí de lá a pensar que estava a colocá-lo em situação de risco, logo depois de lhe dizer a toda a hora que não pode sair.

O pior estava para vir: durante a tarde, novo ataque de pânico e pela primeira preocupação séria. Estaria com febre? Termómetro na axila e 37 - eu que costumo ter sempre 36. Parecia estar a subir e entrei em crash. Fui aspirar boa parte da casa e parei a dada altura para medir a febre. 37,2. E uma sensação terrível de calor, corpo a ferver (bem mais que os 37,2 assinalados).

Fiquei a descansar na cama, após falar com uma prima enfermeira. Disse-me ela para não entrar em pânico, mas para ir monitorizando. Por lá fiquei no quarto. Afinal, tinha dormido pouco nas duas últimas noites e o corpo há de dar sinais.

Ouvi a conferência de imprensa do primeiro ministro e fiquei a pensar que o estado de emergência não deu ainda origem a decisões que alterem substancialmente o que quer que seja. Sentindo eu que é fundamental mesmo que só trabalhadores de saúde e os das áreas de primeira necessidade andem na rua, preocupa-me que qualquer patrão de um qualquer escritório de advocacia, ou outra área de atividade, possa continuar a obrigar os funcionários a apresentarem-se diariamente, provavelmente sem sequer lhes fornecer máscaras, luvas, etc. (Creio que esses, mesmo que muito assustados, no final deste processo terão as mãos tingidas de vermelho sangue...).

Ouvi-lo assustou-me, então. Não pelo que disse, provavelmente, mas porque vai-se tornando cada vez mais evidente que os tempos vão ser difíceis. E porque ao mesmo tempo temia estar com febre - que é um dos sintomas do Covid-19)

Do mal o menos. Medi a febre à saída do quarto e tinha regressado aos 37, em vez de subir.

Hora de preparar o jantar e com ele, finalmente, comermos por cá o arroz doce. Na esperança de uma noite de normalidade e que o corpo responda bem e que tudo não tenha passado de um susto gigante.


PS: Os filhos fizeram-me uma gravata de papel para dia do pai e a mais nova arrancou-nos gargalhadas quando ao telefone com o avô lhe explicou que tinham oferecido um postal e uma barata.

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