Não há outra forma de dizê-lo, pai: anteontem, a mãe morreu. Haverá? Foi-se, partiu, deixou-nos, faleceu, desencarnou, não resistiu... Que diferença faz? Foi uma maldita pneumonia que a levou, eis o que constará dos relatórios dos médicos. Que o líquido nos pulmões a enfraqueceu, que o coração ficou fraco, que os rins pararam, que o corpo não conseguiu reagir à medicação. Tretas. Quer dizer, tudo verdade, mas tretas. Não foi nada disso. Filho, a tua avó não era deste mundo. Regressou a casa, apenas. Era um anjo entre nós, e dela tenho agora tanto para te contar que já sei que nunca tal caberá na pequenez dos meus dedos, nem na velocidade do meu pensamento... Poderia começar por dizer-te, filho, que a tua avó Zé, a buó, como lhe chamas, era o tipo de pessoa que dava as camisolas caras, que recebia de presente, a pessoas que delas mais precisavam, que o dizia, orgulhosa e sem problemas, a quem lhas dava. Que a tua avó, filho, era o género de pessoa que saía de casa, todos os dias...