68 anos

A 9 de março
dia levado da breca
nasceu o Zé Miguel
completamente careca

Assim escrevia o meu avô Eduardo sobre o nascimento do meu pai em 1947, no mesmo dia em que fazia 9 anos o filho mais velho, também Eduardo de seu nome.

68 anos depois e enquanto sorrimos pelo lamento por ter falhado por um ano a conquista do único campeonato da história do Belenenses eu e o meu pai continuamos a tentar aprender o que é isso de ser-se uma família.

Desde a morte da minha mãe que passámos a ter-nos um ao outro. Desde a morte da minha mãe que passei a sentir-me mais responsável. Desde a morte da minha mãe que tento sempre - sabendo que em vão - que ele não sofra pela sua ausência. Mas também, desde a morte da minha mãe, que sentindo-me perto, me sinto brutalmente longe dele.

Desde a morte da minha mãe sinto que nada do que diga vai poder animá-lo e dou por mim, de cada vez que ele tem de ser internado por qualquer operação que faça, num silêncio do qual não sei sair. como se sentisse que diga o que disser, tudo lhe soará a fútil e a desinteressante.

Note-se que eu adoro o meu pai. Preocupo-me genuinamente com ele, mas sinto sempre que não consigo dedicar-lhe todo o tempo e atenção que ele merece. E, consequentemente, sinto-me a falhar.

Há momentos de epifania, claro. Como os sábados, em que nos reunimos para almoçar em família. Em que cozinho, acho eu, com a única preocupação de que ele goste dos pratos - como se desse gosttar, desse seu participar na confecção - dependesse todo o meu sucesso enquanto filho.

Por vezes sinto que ele se entedia na minha companhia. Mas também me sinto incapaz para alterá-lo (acho que o meu feitio é tão mais reservado quanto o grau de proximidade que sinta das pessoas com quem estou).

Há dramas mentais difíceis de compreender e este meu há de ser um deles. por certo, mas hoje quis escrever sobre ele, sobre o meu pai. Não disse o que tantas vezes pensei escrever - que ele me levava a ver jogos de futebol aos domingos de manhã, que me levava ao hóquei às sextas à noite (pouco importa se era às sextas, importa que é a minha memória), que eu adorava o cheio a tabaco de cachimbo e o sabor, que o completava, dos rebuçados de menta que comprávamos no café antes de irmos a pé até ao Restelo; que o admiro com todas as minhas forças pela forma como sozinho aguentou uma família e ainda conseguiu pagar-me uma universidade privada, mas, sobretudo, pelo amor que toda a vida teve pela minha mãe, de quem cuidava como a mais preciosa das flores, mesmo quando pareciam cão e gato.

Parabéns, pai.

PS: Acho que nunca vou conseguir dizer-lhe o que representa para mim, mas eu sinto-o e sei-o.

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