A garrafa de vinho que não cumpriu a sua missão

Se vivesse mais 100 anos e se todos os anos falasse uma vez com os pais sobre o assunto, outras 100 vezes B. ouviria dizer que aquela garrafa era de 1973. Era, na verdade, de 1974, não exactamente do ano em que nasceu, mas o mais perto que se arranjava.

Pouco lhe importava. Importava, isso sim, a história de vida que aquela garrafa de vinho Madeira lhe contava.

Ao recebê-la - depois de umas férias dos pais na Pérola do Atlântico - B. decidira guardá-la para ocasião especial. Traçou-lhe como meta ser aberta no dia em que quisesse brindar à notícia que, sabia, um dia haveria de dar-lhe um sorriso, bem como fazer os seus pais darem o passo seguinte na carreira familiar: tornarem-se avós.

O vinho era especial e como especial foi guardado no ponto mais alto e escuro da despensa. Inalcançável, como se a distância ao braço representasse a distância da vida de B. ao dia para o qual reservara a garrafa, a pobre foi envelhecendo. Abandonada, esquecida.

Certo dia, B. cansou-se. Cansou-se de outras bebidas, sobretudo, e talvez por isso também cansou-se de guardá-la, inalcançável, e subiu ao escadote, libertando-a da sua missão. Não haveria a garrafa, afinal de contas e trocadas as voltas, de ficar eternamente à espera do dia em que daria ao mundo a novidade para a qual fora feita. Não gritaria "B. vai ser pai". Afinal, já aqui foi dito, tal cenário era pouco mais que uma miragem.

A garrafa, pois, a garrafa. Foco na garrafa. Com as voltas da vida, com os litros de álcool que entretanto passaram debaixo das pontes, não há já memória do dia em que foi aberta. Talvez tenha sido aberta com lágrimas a escorrerem pelos olhos (de B., claro, que a garrafa que foi feita para falar não tinha olhos), talvez o tenha sido num jantar com amigos, com a dignidade que ela haveria de merecer, mas não com a que lhe estava guardada.

O mais provável é ter sido bebida entre cervejas minis e vinho tinto de pacote, ou a fazer as vezes de cada um deles em noites em que só o álcool e alguns cigarros fariam dormir B.

Hoje, neste dia 3, B. lembrou-se da garrafa que há mais de dois anos deixou de dar notícias e se escapuliu na noite em que a sua vida se tornou. Afinal, faz hoje dois meses que a rolha deveria ter saltado. Não saltou, mas os olhos sorriram na mesma...

Comentários

Vanita disse…
Um garrafa de vive que enebria à distância. Missão cumprida.

Ah, e já agora, PARABÉNS! Felicidades aos três :D
Panuci disse…
Lindo :)
M. disse…
Que maravilha! Estou muito feliz. Temos que pôr a conversa em dia. Parabéns! Beijos grandes.
Anónimo disse…
:)

A *Pérola* fica feliz por ter sido escolhida uma garrafa de Madeira para tal ocasião, mesmo q aquela n tenha cumprido a sua missão.

BeijOoOOoOO

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