A voz
Quando a minha mãe morreu, está quase a fazer dois anos, tive uma preocupação daquelas tolas, que só tem quem perde os que ama.
E se um dia esquecesse a sua voz? Gravei-a, pois, para me assegurar de que tal não aconteceria. Tenho no meu email, para nunca perder, o ficheiro de som com a única voz que dela podia, então, ouvir. "Fala a Zé. De momento não posso atender. Deixe mensagem."
Das primeiras vezes que ouvi chorei. Descontrolado, talvez. Gravá-la, aliás, já foi sinal de descontrolo, diria hoje. Mas, raios, quem quer controlar-se depois de perder a mãe?
Contei-o à S. e ela disse-me que não precisava. Que não esquecia a voz dela. E que eu também não esqueceria. Eu tinha esse receio, sim. Mas hoje apercebi-me de que a S. estava certa.
A voz que ouvi era igual à que oiço tantas vezes no silêncio quando quero recordar a minha mãe, O texto, esse, é que é sempre o mesmo. Talvez por ser o que tenho à mão.
Dia 26 assinala-se o segundo aniversário da partida dela. Não consigo escrever "celebra-se", ainda que a alma dela esteja, por certo, na paz que mais desejou.
A saudade hoje é diferente da que sempre imaginei. Confesso que já não sinto desespero. Lembro-me muito dela, sim, emociono-me por ir, agora, ter uma filha e ela não a conhecer. Mais ainda por a minha S. viver (pela segunda vez) este mesmo vazio.
Às vezes nem sei bem o que sinto, se sinto, como sinto. E no entanto, a voz é sempre tão igual como a memória que dela tenho. Tão viva. Imagino-a no corredor a brincar com o G. Vejo-a, sei como seria. Como iria à exaustão. Imagino-a na maternidade, quando nascer a D. a pegar-lhe ao colo horas a fio. Uma menina para sua avó.
E a voz sempre tão viva na minha cabeça. E a falta de coragem para apagar o ficheiro. E se um dia me esquecer mesmo da voz dela?
E se um dia esquecesse a sua voz? Gravei-a, pois, para me assegurar de que tal não aconteceria. Tenho no meu email, para nunca perder, o ficheiro de som com a única voz que dela podia, então, ouvir. "Fala a Zé. De momento não posso atender. Deixe mensagem."
Das primeiras vezes que ouvi chorei. Descontrolado, talvez. Gravá-la, aliás, já foi sinal de descontrolo, diria hoje. Mas, raios, quem quer controlar-se depois de perder a mãe?
Contei-o à S. e ela disse-me que não precisava. Que não esquecia a voz dela. E que eu também não esqueceria. Eu tinha esse receio, sim. Mas hoje apercebi-me de que a S. estava certa.
A voz que ouvi era igual à que oiço tantas vezes no silêncio quando quero recordar a minha mãe, O texto, esse, é que é sempre o mesmo. Talvez por ser o que tenho à mão.
Dia 26 assinala-se o segundo aniversário da partida dela. Não consigo escrever "celebra-se", ainda que a alma dela esteja, por certo, na paz que mais desejou.
A saudade hoje é diferente da que sempre imaginei. Confesso que já não sinto desespero. Lembro-me muito dela, sim, emociono-me por ir, agora, ter uma filha e ela não a conhecer. Mais ainda por a minha S. viver (pela segunda vez) este mesmo vazio.
Às vezes nem sei bem o que sinto, se sinto, como sinto. E no entanto, a voz é sempre tão igual como a memória que dela tenho. Tão viva. Imagino-a no corredor a brincar com o G. Vejo-a, sei como seria. Como iria à exaustão. Imagino-a na maternidade, quando nascer a D. a pegar-lhe ao colo horas a fio. Uma menina para sua avó.
E a voz sempre tão viva na minha cabeça. E a falta de coragem para apagar o ficheiro. E se um dia me esquecer mesmo da voz dela?
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