A propósito de "autista" não ser adjectivo
Todos já teremos dito, um dia, que alguém era autista, ou se comportava como um autista, por ser teimoso, por não ouvir os outros, etc.
Pois há dias deparei-me com um texto que mudou a minha forma de relacionar-me com a palavra. E agora evangelizo, até, quem oiço dizer que alguém é autista.
Fica o desafio para os meus amigos que tiverem paciência de ler-me.
"Se os meus amigos
tiverem paciência gostava que lessem este post até ao fim. Apesar da própria
Assembleia da República ter abolido a utilização da palavra "autista"
do truculento debate parlamentar, a verdade é que a mesma persiste em ser usada
para qualificar pessoas que se estão nas tintas para as opiniões alheias e que
preferem, numa determinada situação, viver isolados do mundo. Este é um
conceito que cresceu durante décadas em que o desconhecimento sobre o autismo
era enorme e em que se considerava que os autistas gostavam de habitar o seu
'próprio mundo'. Com a explosão do autismo nos últimos anos, o estudo foi
intensificado. Tal como cada criança é uma criança, também cada autista é
diferente dos restantes. Por isso, existe um largo espectro onde se mede o
autismo e que tem em conta dezenas de variáveis. Todavia, questões
comportamentais, dificuldades de comunicação e de relação social estão
habitualmente presentes. Mas, ao contrário do que se pensava, os autistas não
gostam de se isolar. Não o fazem por gosto, mas por receio. Têm dificuldades de
socialização e de comunicação com um mundo que os atraí, mas que os intimida.
Portanto, quando se utiliza a palavra autista para qualificar alguém não se
está apenas a cometer um lapso de avaliação, mas também a ser injusto para quem
tem esse problema e o quer ultrapassar. E, como em muitos outros aspectos da
nossa sociedade, o preconceito é castrador, injusto e desmotivador para
qualquer autista que veja o seu problema a ser utilizado como exemplo errado.
Uma mentira repetida muitas vezes é absorvida como sendo verdade. E esse é um
risco que os autistas não merecem correr. Quando vejo alguém utilizar essa
palavra para adjectivar o comportamento de outros, procuro explicar que o
conceito sofreu uma evolução nestes últimos anos. Ainda ontem me deparei com
mais uma situação em que essa expressão era usada para classificar terceiros.
Desta vez, não respondi. Em alternativa, optei por escrever este texto, talvez
na ilusão do mesmo ser lido e absorvido. O meu filho de 8 anos é autista.
Pensam que ele gosta de não compreender totalmente o mundo, de sentir cada
ínfimo estímulo e todos em simultâneo e de não se encontrar à vontade em muitos
aspectos que, para a maioria, são banais? Mas, se repararem nas fotografias que
tenho pontualmente mostrado podem verificar que ele anseia por ultrapassar
essas dificuldades. Quando alguém for teimoso não lhe chamem autista. Os
autistas não têm culpa."
Texto de Luís Silva do Ó
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