A vida num jogo de computador

Nos últimos dias vou tendo cada vez mais dificuldade para conversar com os meus amigos: andam, muitos deles, a estudar o mercado e à procura de jogadores para reforçar as suas equipas de futebol.
E não, não sou amigo da maioria dos diretores desportivos ou presidentes de clubes de futebol.

Simplesmente, anda aí o novo Football Manager (o 2015) que, na eventualidade de alguém não saber o que é é um jogo de computador que nos coloca na pele de – como é que adivinharam? – manager de um clube à nossa escolha.

Desde a versão 2010 que estou limpo desse vício. Em grande parte por razões económicas – já não tenho vida para andar a juntar dinheiro para comprar computadores novos à medida que a capacidade de processamento exigida para correr o jogo aumenta – mas também não tenho tempo para as 2500 tarefas que são exigidas aos treinadores de sofá.

Claro que recordo com carinho os dias em que sozinho cantava as vitórias do Scunthorpe United ou do Yeovil Town, que com tanto esforço levara da Conference League inglesa à Liga dos Campeões; ou as noites sem dormir para jogar a uma das primeiras versões do jogo com o Luís e o Ricardo, ainda em casa dos meus pais – em que a hora de fim da jogatana era dada pelo despertar do meu pai, que saía para o trabalho. Na altura eu pegava na Cremonese, o Ricardo no Lecce e o Luís no Piacenza e discutíamos os quatro primeiros lugares do campeonato até à morte (quem se arriscasse a ficar em segundo lugar tinha de fazer de propósito para perder ou não iria à Europa, por causa de um estúpido bug – razão pela qual o terceiro lugar era quase tão festejado como o primeiro).

Tinhamos regras a sério para aquilo. Por exemplo, simulávamos o realismo das transferências escrevendo num papel as propostas que fazíamos por um jogador (o que levava a inflacionar o preço quando havia concorrência e permitia bluffs de modo a arruinar adversários) e estávamos obrigados a dedicar um turno de transferências a tentar desbloquear os emprateleirados dos nossos rivais (quando havia propostas, mesmo que de zero liras, logo havia clubes que se chegavam à frente). Para evitar erros de programação que tornavam imbatíveis equipas com quatro ou cinco avançados, impusemos como regra o máximo de 2 ou 4, já nem me lembro, também.

Em 2010 tudo isso acabou, dizia eu. E acabou não só porque o meu PC já era velhote, mas porque o grau de complexidade da coisa era cada vez maior. De repente, já estava a negociar comissões com empresários. E como isso pode ser perfeito, para quem busca realismo total; ou a pressionar um jogador para tentar sair do clube, de modo a baixar o preço.

A isso juntaram-se uma série de crashes do jogo e de repente lá estava eu a brincar ao antigo FM 2009 (que de vez em quando ainda abro no meu computador, embora não lhe dê o seguimento).
Graças ao FM (primeiro chamava-se Championship Manager) muitos miúdos sonharam ser treinadores. E quase todos passámos a achar que os nossos clubes são mal geridos. Muitos candidataram-se a presidentes, muitos perceberam que a vida não é um jogo de computador.

Eu cá também me desapaixonei quando comecei a olhar para aquilo à Matrix e a pensar que no fundo é um aglomerado de números, cada vez mais complexo, feito para me enredar e prender dias e dias.


Mesmo sendo tão bom... 

(Isto é como fumar. Acho que nunca podemos dizer que estamos livres do Football Manager. Apenas dizer que não o jogamos há x anos)

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