Foi por amor

Foi por amor que naquele carnaval a minha mãe decidiu mascarar-me de árvore.
Foi por amor e porque a vida era difícil, porque não havia dinheiro para comprar o coldre à cowboy e porque pintar-me de preto para me mascarar de jogador de futebol não lhe pareceu uma boa opção (os pais, às vezes, são mesmo estranhos).
Foi por amor que a minha mãe andou semanas a fio a pensar naquilo. "Espera... Estas calças castanhas de veludo, com uma camisola de gola alta castanha... hmmm só faltam as folhas...", terá ela pensado. Com amor, claro.
Ora folhas? Fácil... Tecido verde cosido na camisola e, o pormenor fatal, a uma touca verde que por lá se arranjou.
Ora aqui vai uma árvore perfeita para a festa dos primos.
Nunca mais me esqueço de alguns momentos chave. Parece que foi ontem. E parece que foi nesse dia que o Carnaval deixou de existir para mim.
- Está muito gira a tua máscara. És um papagaio?
O mundo girou, eu expliquei timidamente que não, que era uma árvore - não sabia eu na altura que as árvores adoeciam e não me lembrei que podia dizer que era uma árvore de outono - e só não vomitei porque o meu cérebro não conseguiu emitir o impulso eléctrico que desse a ordem ao corpo.
Lembro-me que nesse carnaval o Pedro apareceu com a máscara mais original que eu lhe vira alguma vez. Um marco do correio. Assim mesmo! Redondinho, perfeitinho. O que hoje me parece o disfarce mais estúpido de sempre, na altura pareceu-me um ultraje (além disso, que passou pela cabeça das nossas mães para nos mascararem de coisas imóveis?). Lembro-me que eu, de castanho vestido, me senti a preto e branco enquanto aquele marco do correio ambulante, vermelhinho, era a coisa mais espectacular que alguma vez vira. (talvez a reacção se deva à quantidade de gritos histéricos que as minhas tias soltaram).
Sei que o meu disfarce estava péssimo. E sei-o porque nenhum cão me escolheu como urinol e nenhum casal de apaixonados me espetou uma faca para escrever Bruna + Amilcar.
Eu nunca disse à minha mãe que o carnaval morreu nesse dia. Por amor...

Comentários

A.V. disse…
Nuno, minha mãe me vestiu de índia pro desfile da escola no segundo ano.Eu, índia, podes imaginar? ouch.. nem me lembrava mais disso..
Suz disse…
O meu sonho todos os Carnavais era mascarar-me de Branca de Neve, a minha personagem favorita da Disney de infância, e, já agora, ganhar o concurso de máscaras que havia na escola primária.

Houve um ano que me mascarei de enfermeira, graças às contribuições com alguns acessórios por parte de colegas da minha mãe.

Nos outros, estava mascarada sim, mas de nada em definido. No entanto, a imaginação (especialmente a de criança) leva-nos mais longe, e eu via-me mascarada de Branca de Neve. E dizia isso aos meus coleguinhas, que também o viam!

Por isso, quando a professora me perguntou "E tu, estás mascarada de quê? De ciganita por aí?", eu não respondi. Porque não sabia bem o que a máscara poderia representar, e porque a minha imaginação falava mais alto e eu era-lhe fiel.

Uma coleguinha disse então "é à Branca de Neve professora!", com um tom de 'então não se vê logo?" :)
Anónimo disse…
Ai, o Carnaval... como o Natal... a Páscoa... e o Dia da Mãe. são os dias mais traumatizantes. A minha história é bem pior tonto.
Tinha tirado um amarelo a Matemática na 2ª classe. Castigo da avó: não ia ter máscara. A professora disse-me que na escola me iam fazer uma, porque eu estava com o ar mais infeliz de sempre. Mascararam-me não sei de quê, mas lembro que foi em papel verde e vermelho. Fui para o desfile. Orgulhosa. Feliz. Choveu. O papel desfez-se, eu desfilei em collants no meio da rua e jurei odiar para todo o sempre o Carnaval.As pessoas olhavam para mim e nem perguntavam de que é que eu estava vestida: porque eu nem sequer estava vestida!!!!!
Guinevere disse…
Bem... eu adoro o Carnaval!!!!!! E apesar de nunca ter ganho nenhum concurso de máscaras, de nunca ter tido o fato de dama antiga que tanto queria... da minha máscara de todos os anos ser de Palhaço, com o que a minha mãe improvisava e até aparecer uma roupa típica da Beira Litoral que tinha pertencido à minha bisavó...continuei a amar o carnaval.
E quando nasceu a minha primeira filha voltei a mascarar-me. Este ano a máscara é de jardineiro.
Nunca me mascararam. Será possível?
Vanita disse…
Todos temos uma história destas :)
Kokas disse…
E deixamos morrer as coisas assim, não é?
Kokas disse…
E deixamos morrer as coisas assim, não é?

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