Covid-19 (Dia 2- 14/03) - Os pais

Acordei às 8.30 horas, quando queria dormir mais 8 horas, com o barulho dos petizes (se fosse dia de escola não estariam por certo acordados tão cedo).

Antes de mais, vamos lá esclarecer uma coisa, para desmistificar: não meus queridos, não estão a ficar doidos! O que estão a sentir todos sentimos: todos os sintomas, a toda a hora.

Ao acordar é o nariz e as vias respiratórias a arder, a dor de garganta insignificante, duas tossidelas por dia, o nariz sempre húmido e até a dor no peito que mais faz parecer que lá vem um ataque cardíaco. Não sou médico, nem quero desencorajar-vos de ligar para linha Saúde24, mas espero que no fim tudo isto seja apenas o que me parece (e desejo) ser: ansiedade.

É a ansiedade de pensar que podemos apanhar o vírus e levá-lo a outros; que alguém que nos é querido pode ser apanhado; que mesmo que ninguém próximo seja infetado, isso em nada reduz o drama de uns quantos milhares; a ansiedade de não sabermos quando é que isto acaba, seja porque se inventa uma cura (ou vacina) ou porque o bicho vai à sua vida.

É o realismo de sabermos que a economia Mundial vai dar valente trambolhão e com ela todos andaremos de pernas para o ar uns tempos.

E é, sobretudo, iniciar mais um dia assim.

O dia começou com filho mais velho a gastar vários iogurtes - bem mais que o necessário - a preparar-nos uma maravilhosa e esbanjadora surpresa para o pequeno almoço. O dobro do necessário, a que se seguiu, orgulhoso, o aviso: "já só há um iogurte". (Nos vossos frigoríficos as coisas também voam sem se aperceberem?)

Ora, não querendo açambarcar produtos, também não quero que vão faltando cá por casa - não por não poder viver sem eles, mas para ao menos essa "habitualidade" nos criar uma sensação (mesmo que falsa) de normalidade.

Por sábado ser também o dia da habitual visita dos avôs para almoçar, e porque era a primeira vez em muito tempo que tal não iria acontecer - planeei ainda ir a casa de cada um deles. Para os ver, socializar, e já agora levar fruta e pão (que tive de comprar noutro estabelecimento).

Ora, entrar em lojas, mesmo com pouca gente, é talvez a pior coisa que se pode fazer quando se anda preocupado com o contágio com Covid-19 (afinal, tudo o que tentamos fazer é evitar ser veículo deste para casa de sogro e pai).

Na casa da fruta, assustei-me. Nem tanto por sentir que estaria em risco de contágio (embora também olhasse para cada pessoa com um potencial assassino à espera de disparar contra mim pelas costas), mas por ver tantos idosos descontraídos a fazerem as suas compras, lado a lado, a conversar e rir.

Vi também gente com máscara, e ouvi a senhora colada atrás de mim em dois segundos ir de um "o que hei de fazer?" quando a amiga lhe disse para não estar tão próxima, a um "esta senhora é que faz bem, que está de máscara".

Adiante, tudo comprado, lá se seguiram as visitas. Percebi como é importante para todos os que estão sós receber alguém. Não há o calor de um abraço, mas há o calor de um olhar. O sentir-se acarinhado, cuidado. Confesso que me emocionei à entrada da casa onde cresci, ao ver o meu pai, que tem estado por lá resguardado.

E ri-me, com alegria genuína, por vê-lo igual ao que é, estendendo-me logo à porta o frasco de desinfectante.

Sinceramente, tenho esperança de que os próximos tempos tragam de volta alguma normalidade em processos vitais que de repente se tornam complexos. Compras online com entrega a uma semana (para evitar ir ao supermercado), farmácias cheias de gente, tudo isso são dificuldades com que já não contávamos (e no entanto é tão pouco para o que outras gerações passaram).

Desta esperança vem outra certeza: quando isso acontecer será sinal de que em conjunto começamos a vencer o medo. E nessa altura pode ser que já não tenha esta maldita pressão nas costas, a lembrar-me que aqui dentro está a criar-se uma ansiedade que não mata mas mói.

PS: estou a pensar começar a fazer as compras todas (pequenas) nos mercados de rua e ir a talhos com pouca gente buscar carne. Parece-me mais seguro e sensato que as compras nos hipers, e mas rápido que online. Será asneira?

PS2: os miúdos estiveram mais agitados, mesmo tendo ido à rua brincar a fazer bolas de sabão durante quase uma hora. É só o segundo dia e já começam a dar sinais de cansaço de estar em casa. Mais zangas, mais barulho. E, no entanto, sempre uns doces, a conseguirem abrandar quando lhes relembramos os tempos especiais que vivemos. Ontem dizia o mais velho: «eu não quero deixar de ir à escola, nem de aprender». Hoje descobriu o prazer de vir sentar-se ao computador do (tele)trabalho a ler o jornal que vai sair amanhã. (privilegiado, que, posso já dizer, está uma bela edição).

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