Covid-19 (dia 10 - 22/03) Aquele telefonema...
Estou finalmente sentado ao computador (quer dizer, estou finalmente sentado ao computador não para trabalhar) e preparado para falar de mais um dia.
Ontem não saí de casa e creio que isso se refletiu numa total ausência de ansiedade (pela primeira vez) durante o dia. Hoje acordei tranquilo e depois de uma aula de ginástica (ou de dança) com os miúdos - para se manterem ativos - almoçámos em paz uma massa com cogumelos, azeitonas e bacon (além de um molho de tomate). Para fazer render a comida junto cogumelos, mas a mais nova, que não é parva, já me topou e reclama (guerra perdida por mim, simplificando).
Sentia-me tão bem que o verbalizei, a dado momento, em conversa com a minha mulher. Grande erro: se há coisa que devia ter aprendido nos 10 dias de reclusão é que na verdade estes 10 dias equivalem a 20 ou 30. E quase todos se dividiram entre o bom e o mau.
Pois o mau, hoje, chegou pelas 17h40, quando um telefonema do meu pai anunciou 38,2 graus de febre. Uma notícia destas, que há um ano seria recebida com um "temos de ver isso" transforma-se num pesadelo imediato. E aquela sensação de que o meu pai conhece um médico para cada ocasião - tantos aqueles que consulta por força dos seus problemas - desvanece-se em segundos.
A quem recorrer? Ao médico amigo que me disse anteriormente que isto não haveria de ser Covid-19. O tal que está na linha da frente a combater o raio do bicho. E que me responde hoje? "Liguem para a linha saúde 24. O ideal era ser testado, pois pelo que hoje me dizem pode bem ser Covid-19".
Há nesta ideia, quando se fala de alguém com 73 anos, um tom de fatalismo. Sabemos que a taxa de letalidade ronda os 15 por cento (o que dando confortável margem de 85 por cento é, ainda assim, insuportavelmente alta).
Foram duas horas e meia da minha mulher ao telefone com a linha Saúde 24, à espera de vez. Telefone na orelha até durante o jantar. No fim, lá falaram com o meu pai. E disseram-lhe para tomar ben-u-ron de 8 em 8 horas, tivesse ou não febre, e para chamar um médico a casa ou ir amanhã ao Centro de Saúde - para onde enviariam indicação de atendê-lo sem marcação...
Novo telefonema ao médico amigo e a declaração surpreendente: "portanto, foram inúteis!?".
"Não vai nada ao Centro de Saúde, que isso é ainda pior. Vão auscultá-lo, não fazem raios-x, ficam na dúvida do que é e ainda o mandam ao hospital. Nesta altura isso é totalmente desaconselhado".
Acreditava o médico que o meu pai seria direcionado para os drive-thru onde se faz com zaragatoa a recolha de amosta para análise. Nada disso, o que aliás bate certo com os números que vamos vendo diariamente (poucos testes) e contraria as indicações dadas aos médicos ("dizem-nos para testar, testar, testar"). O problema é que não dá para testar, testar testar. E nem as clínicas privadas ( que já cobram 200 euros por análise) o conseguem, pois faltam-lhes reagentes.
Acabei a noite a ir à farmácia levantar uma receita de dois tipos de antibiótico, ben-u-ron e mais um anti-histamínico e a ir levá-los a casa do meu pai, já sem lá entrar, deixando tudo à porta. Dei por mim a quase evitar olhar nos olhos (sem querer, naturalmente) quase com medo que só por pisar o andar do prédio pudesse contaminá-lo com algo.
Regressei a casa, desinfetei-me, tomei banho, mandei a roupa para incinerar (vá, foi só para lavar) e antes de telefonar ao progenitor, ainda tive de passar pelo quarto dos miúdos. O mais velho estava em pânico... "a mana não para de tossir. Ela está com o corona".
Tempo ainda para ser psicólogo. Lá lhe disse que era normal ele ter medo, expliquei-lhe que até eu já o senti, e que no dia a seguir estava tudo bem. Prometi-lhe que a irmã não tinha e ainda lhe disse que para as crianças o coronavírus não era grave, que não morriam disso (aí abriu-se um sorriso no rosto dele) e ainda aproveitei para reforçar que essa é a razão pela qual temos de afastar-nos dos mais velhos.
PS: O Comité Olímpico Internacional já admite adiar os Jogos de Tóquio-2020; mas ainda pede 4 semanas para se pronunciar
PS2: De ontem para hoje, o número de infeções subiu "apenas" 25 por cento em Portugal. É muito, sim, mas dá esperança de que ao deixar de ser exponencial a coisa comece a travar.
PS3: Milhares de broncos foram passear juntinhos (e fazer jogging) na Póvoa de Varzim e na mata do Choupal...
PS4: Número oficial de hoje: 14 mortos em Portugal; e o Covid chegou a Moçambique...
Ontem não saí de casa e creio que isso se refletiu numa total ausência de ansiedade (pela primeira vez) durante o dia. Hoje acordei tranquilo e depois de uma aula de ginástica (ou de dança) com os miúdos - para se manterem ativos - almoçámos em paz uma massa com cogumelos, azeitonas e bacon (além de um molho de tomate). Para fazer render a comida junto cogumelos, mas a mais nova, que não é parva, já me topou e reclama (guerra perdida por mim, simplificando).
Sentia-me tão bem que o verbalizei, a dado momento, em conversa com a minha mulher. Grande erro: se há coisa que devia ter aprendido nos 10 dias de reclusão é que na verdade estes 10 dias equivalem a 20 ou 30. E quase todos se dividiram entre o bom e o mau.
Pois o mau, hoje, chegou pelas 17h40, quando um telefonema do meu pai anunciou 38,2 graus de febre. Uma notícia destas, que há um ano seria recebida com um "temos de ver isso" transforma-se num pesadelo imediato. E aquela sensação de que o meu pai conhece um médico para cada ocasião - tantos aqueles que consulta por força dos seus problemas - desvanece-se em segundos.
A quem recorrer? Ao médico amigo que me disse anteriormente que isto não haveria de ser Covid-19. O tal que está na linha da frente a combater o raio do bicho. E que me responde hoje? "Liguem para a linha saúde 24. O ideal era ser testado, pois pelo que hoje me dizem pode bem ser Covid-19".
Há nesta ideia, quando se fala de alguém com 73 anos, um tom de fatalismo. Sabemos que a taxa de letalidade ronda os 15 por cento (o que dando confortável margem de 85 por cento é, ainda assim, insuportavelmente alta).
Foram duas horas e meia da minha mulher ao telefone com a linha Saúde 24, à espera de vez. Telefone na orelha até durante o jantar. No fim, lá falaram com o meu pai. E disseram-lhe para tomar ben-u-ron de 8 em 8 horas, tivesse ou não febre, e para chamar um médico a casa ou ir amanhã ao Centro de Saúde - para onde enviariam indicação de atendê-lo sem marcação...
Novo telefonema ao médico amigo e a declaração surpreendente: "portanto, foram inúteis!?".
"Não vai nada ao Centro de Saúde, que isso é ainda pior. Vão auscultá-lo, não fazem raios-x, ficam na dúvida do que é e ainda o mandam ao hospital. Nesta altura isso é totalmente desaconselhado".
Acreditava o médico que o meu pai seria direcionado para os drive-thru onde se faz com zaragatoa a recolha de amosta para análise. Nada disso, o que aliás bate certo com os números que vamos vendo diariamente (poucos testes) e contraria as indicações dadas aos médicos ("dizem-nos para testar, testar, testar"). O problema é que não dá para testar, testar testar. E nem as clínicas privadas ( que já cobram 200 euros por análise) o conseguem, pois faltam-lhes reagentes.
Acabei a noite a ir à farmácia levantar uma receita de dois tipos de antibiótico, ben-u-ron e mais um anti-histamínico e a ir levá-los a casa do meu pai, já sem lá entrar, deixando tudo à porta. Dei por mim a quase evitar olhar nos olhos (sem querer, naturalmente) quase com medo que só por pisar o andar do prédio pudesse contaminá-lo com algo.
Regressei a casa, desinfetei-me, tomei banho, mandei a roupa para incinerar (vá, foi só para lavar) e antes de telefonar ao progenitor, ainda tive de passar pelo quarto dos miúdos. O mais velho estava em pânico... "a mana não para de tossir. Ela está com o corona".
Tempo ainda para ser psicólogo. Lá lhe disse que era normal ele ter medo, expliquei-lhe que até eu já o senti, e que no dia a seguir estava tudo bem. Prometi-lhe que a irmã não tinha e ainda lhe disse que para as crianças o coronavírus não era grave, que não morriam disso (aí abriu-se um sorriso no rosto dele) e ainda aproveitei para reforçar que essa é a razão pela qual temos de afastar-nos dos mais velhos.
PS: O Comité Olímpico Internacional já admite adiar os Jogos de Tóquio-2020; mas ainda pede 4 semanas para se pronunciar
PS2: De ontem para hoje, o número de infeções subiu "apenas" 25 por cento em Portugal. É muito, sim, mas dá esperança de que ao deixar de ser exponencial a coisa comece a travar.
PS3: Milhares de broncos foram passear juntinhos (e fazer jogging) na Póvoa de Varzim e na mata do Choupal...
PS4: Número oficial de hoje: 14 mortos em Portugal; e o Covid chegou a Moçambique...
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