Amora silvestre


Lembro-me, como se fosse hoje, de todas as vezes que fui apanhar amoras ali para os lados do Cabo da Roca. De, orgulhoso, meter um pé em Sintra e outro em Cascais. De encher sacos com amoras pretas. E vermelhas. De me assustar com as cobras que passavam e o meu avô me dizia serem coelhos, mesmo sabendo serem cobras.
Lembro-me dos frascos de doce de amora que a minha avó fazia. Lembro-me de irritar-me solenemente (adoro a expressão irritar solenemente) encontrar pedaços de limão a boiar no doce. Para mim, aquilo era como encontrar uma espinha no peixe. Com a diferença que do peixe eu não gostava, mas das amoras - e do doce de amoras - gostava. Talvez por ter sido eu a apanhá-las. Coitadito... Nem me lembro se trazia muitas ou poucas. Lembro-me, sim, isso lembro, que me arranhava, que me ria, que ouvia histórias que me fascinavam. Talvez sempre as mesmas histórias.
E é para esse tempo de sorrisos genuinos que as amoras me transportam, ainda hoje. Sobretudo hoje!
E agora pergunto: estão a perceber-me? hmmm? hmmm?

Comentários

Brida disse…
lembro-me de ir comprar marmelos com a minha avó. de querer ajudar a descascar mas não me darem a faca para a mão. e então, ficar sentada a olhar para a bancada, onde ia caindo, pedaço a pedaço (não são tão fáceis de descascar como as maçãs) a casca. lembro-me do cheiro que vinha da cozinha. lembro-me de taças cobertas com papel vegetal na janela do meu quarto (que era a que apanhava mais sol) para secar. e lembro-me de levantar o papel vegetal por vezes de manhã, passar um dedo por cima, e provar. lembro-me do sabor. não sei se te percebo. mas fizeste-me lembrar agora muita coisa...
Unknown disse…
Sei sim..Tudo isso, noutros locais, mas as mesmas rotinas. Eu ainda vou ás amoras, ainda me pico, ainda me delicio com o doce e o licor..
bf disse…
;)
Que fixe!
Que fixes!
M. disse…
Eu lembro-me de ir passear com o meu avô para o Parque da Gandarinha, em Cascais, aos sábados à tarde. Deitávamos pedacinho de pão aos patos e apanhávamos os frutos de eucalipto caídos ao longo do caminho, que depois guardávamos nas gavetas da roupa.
Há dias fiquei parada no trânsito, à chuva, com o aquecimento ligado, e de repente o carro foi inundado pelo perfume doce dos eucaliptos ali próximos. Estava de rastos e ainda tinha uma longa viagem pela frente, à noite, à chuva, mas fi-la na companhia do meu avô e foi como um passeio no parque.

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